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Tradição Yawanawá

“Nós somos como queixadas: todos juntos.”

Tomando as queixadas (yawa) como símbolo, o discurso yawanawá reafirma a coesão grupal e uma relação estável com o território que na atualidade constitui a Terra Indígena Rio Gregório. Os Yawanawa (yawa/queixada; nawa/gente) são um grupo pertencente à família lingüística pano que ocupa atualmente a T.I. Rio Gregório. “Yawanawa” aparece nas fontes escrito de formas diversas: Yawavo ou Yauavo, Jawanaua, Yawanaua, Iawanawa. A grafia “Yawanawa” que nós utilizamos é a que aparece nas cartilhas e outros documentos de autoria indígena.

A comunidade Yawanawa é na realidade um conjunto que inclui membros de outros grupos: Shawãdawa (Arara), Iskunawa (atualmente conhecidos como Shanênawa, moram em uma aldeia próxima à cidade de Feijó), Rununawa, Sainawa (conhecidos geralmente como Yaminawá e que moram na região do Bagé), e Katukina. Entre os Yaminawa da TI Cabeceira do Rio Acre existe um subgrupo que recebe também o nome de Yawanawa. No entanto, os Yawanawa do Gregório não têm conhecimento deste outro grupo homônimo.

Os Yawanawa habitam a parte sul da Terra Indígena Rio Gregório, compartilhando-a com os Katukina da aldeia de Sete Estrelas. Essa TI, localizada no município de Tarauacá, foi a primeira a ser demarcada no Acre e ocupa a cabeceira deste afluente do Juruá.

A cidade de Tarauacá constitui um foco de atração para os Yawanawa: nesta cidade está o escritório da OAEYRG (Organização dos Agricultores Extrativistas Yawanawa do Rio Gregório); moram várias famílias Yawanawa; é o núcleo urbano onde os Yawanawa buscam seus direitos e cumprem com suas obrigações de cidadãos brasileiros — recebem a aposentadoria, votam durante as eleições —; é o ponto mais próximo onde podem obter mercadorias; é também o lugar aonde acodem para tratar problemas de saúde que não podem ser resolvidos na aldeia. Cruzeiro do Sul e Rio Branco são outros pontos de referência. Apesar das dificuldades que a vida na cidade supõe para pessoas sem muitos recursos econômicos, os Yawanawa contam com a infra-estrutura suficiente para passarem sua estadia com dignidade.

A caça e a pesca são duas das principais atividades econômicas dos Yawanawa. Na época da estiagem organizam-se pescarias nas quais participa quase toda a comunidade e que se convertem em importantes eventos sociais (“festas de comida”, como as descrevem os próprios Yawanawa). Utilizam diversos venenos vegetais (tingui, leite de açacu), que, colocados na água, fazem os peixes boiarem e facilitam sua captura. Durante a temporada das chuvas, quando os animais de grande porte deixam rastos, a caça vira uma das principais fontes de alimentação. Os alimentos básicos obtidos do roçado são a mandioca, a banana e o milho, mas são cultivados também outros produtos como o arroz, batata doce, mamão, abacaxi e cana de açúcar.

Arte

O conhecimento das artes — cerâmica, desenhos, armas de madeira, cestaria — fica nas mãos de poucas pessoas, fundamentalmente as mais velhas, se bem que existe um esforço recente por transmitir estes saberes às novas gerações. Destaca-se a diversidade dos desenhos corporais, muito utilizados na festa do mariri (saiba mais sobre a festa do mariri em “Rituais”), que são feitos com urucum e/ou jenipapo, utilizando-se às vezes uma resina cheirosa para fixá-los à pele. Saias de palha de buriti, cocares de taboca desenhados e braceletes de palha são também utilizados como enfeites durante as festas rituais. Algumas pessoas ainda fabricam armas (lanças, arcos, bordunas, flechas e punhais utilizados tradicionalmente na guerra) feitas com taboca e madeira de pupunheira brava, e enfeitadas com desenhos, linha de algodão e penas de arara, tucano e papagaio fundamentalmente. Enquanto o trabalho de armas é uma prática exclusivamente masculina, o desenho é uma atividade vinculada à esfera feminina, da mesma forma que a cerâmica e a cestaria. Os processos de elaboração de armas e cerâmica estão sujeitos ao cumprimento de diversos resguardos.

Xamanismo

Ainda que atualmente o aspecto mais destacável do xamanismo yawanawa seja a cura, em tempos passados suas funções estavam mais diversificadas e atendia a outros aspectos da cultura como a guerra e a caça. A respeito da cura, existem várias técnicas praticadas pelos especialistas yawanawa –  o canto de cura, o assopro…- entre as quais se destaca na atualidade a reza, chamada shuãnka. Durante as sessões de cura, o xinaya – nome que recebe o rezador –  ingere ayahuasca e reza sobre um pote cheio de caiçuma de mandioca que posteriormente beberá o doente. Um aspecto interessante desta prática é que o diagnóstico da doença se estabelece a partir do sonho que teve o paciente antes de adoecer.
Da mesma forma que existem diferentes técnicas xamânicas, há também diversas denominações para designar a cada especialista (yuvehu, kushuintia, shuintia). A iniciação xamânica consiste em quatro processos paralelos: a realização de certas provas (chupar o coração de uma sucuri, derrubar uma colmeia de abelhas); o cumprimento de resguardos estritos que implicam a abstinência sexual e de certos alimentos; a ingestão de certas substâncias (ayahuasca, pimenta, datura, rapé de tabaco, rarë e caldo de tabaco); e o aprendizado dos conteúdos específicos de cada técnica, isto é, os cantos de cura e as rezas.

Rituais

As festas têm uma especial importância na constituição das relações sóciopolíticas que os Yawanawa mantêm com outros grupos e entre eles mesmos. Saiti (sai significa gritar) é a palavra Yawanawa que designa genericamente a festa. Mariri, que não é uma palavra propriamente Yawanawa, utiliza-se atualmente com o mesmo significado e é empregada também por outros grupos da região. O uma aki (festa da caiçuma) prolonga-se durante vários dias e focaliza normalmente as relações intergrupais já que costumam participar nele outras comunidades. Este ritual desenvolve várias seqüências, algumas das quais podem aparecer isoladas em festas menores: brincadeiras, ingestão e vômito de caiçuma, encenações guerreiras, danças e cantos.

Existem dois tipos principais de brincadeiras: aquele em que homens e mulheres disputam pedaços de cana, mamão ou melancia (mehina “tomar do outro”); e aquele em que se imitam animais (kanë “virar”, “se transformar”). Durante a celebração deste ritual, observam-se, por um lado, rígidas normas de parentesco, cada qual brinca com primos e cunhados de sexo oposto, ou seja, aqueles com os quais as relações sexuais são preferenciais. Quando as festas reúnem vários grupos dissolve-se a oposição entre eles enfatizando-se aquela entre homens e mulheres, e promovendo as alianças através de uniões matrimoniais.

A caiçuma de mandioca — bebida fermentada com a saliva das mulheres — joga um papel importante neste ritual, sendo elaborada e oferecida aos homens pelas mulheres, os quais devem vomitá-la sobre elas. O processo se dá de uma forma cruzada: mulheres Yawanawa brincam com os homens de outros grupos, enquanto os homens Yawanawa recebem a caiçuma das visitantes. O mariri, celebrado durante a noite, consiste numa série de danças e cantigas que têm um tom jocoso e metafórico. Durante o ritual, algumas pessoas, majoritariamente homens adultos, bebem ayahuasca (uni).

Existe também o ritual de inverno yuina yunua (mandar por caça) em que após uma petição metafórica das mulheres — solicitam as frutas que os animais que querem comem — os homens organizam uma caçada especial, trocando com as mulheres a seu regresso a carne por pamonha.

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